27 fevereiro 2006
educação pública na linha de ataque

Os pós-modernos vêm bem a calhar aos interesses do empresariado da educação, interessado na liberação de mercados via destruição da educação pública. Dizem eles, um exemplo é nosso tão querido Derrida, que os conteúdos escolares já não interessam à moçada, que é preciso descontruí-los, substituindo seu caráter científico por um cultural.
Portanto este seria o problema e a solução para a escola...sem nenhum respeito, isto é fraseologia. Sou professora da escola pública e sei que o problema não está na ausência de interesse pelos conteúdos. Há consciência da importância destes pela necessidade, tanto de entender o mundo em que vivem, dar continuidade aos estudos, como conseguir um simples emprego.
O que se confunde com desinteresse é o desânimo, já que na escola pública, raras vezes os alunos encontram condições para, de fato, desenvolver o aprendizado de conteúdos, processo que depende de condições materiais e pedagógicas mínimas. E na escola pública, há muito, não há nehuma delas. Não há livros, as bibliotecas e salas de informática são museus fechados por falta de funcionários, não há laboratórios, quadras de esporte, salas de aula adequadas, os professores trabalham basicamente com uma lousa, giz e sua garganta já ressequida pelos anos de magistério para lidar som salas abarrotadas de alunos.
A título de exemplo, na semana passada, a FSP publicou artigo sobre a situação da escola estadual Soldado Eder da Zona Leste de São Paulo, onde, além do prédio abandonado, das vidraças quebradas, dos banheiros sem higiene e estrutura que são comuns nas escolas da rede, esta ainda está com um dos andares totalmente interditado devido ao destelhamento pelas chuvas, causando infiltrações em dez salas de aula, além da fiação totalmente comprometida, o que obrigou as crianças do ensino fundamental e os jovens e adultos do ensino médio a se revesarem nas salas que funcionam, de modo que eles têm aulas em dias alternados. Soma-se a situação de insegurança o fato de que parte do muro foi derrubada e não há portões na escola.
Alguns dirão que esta é uma exceção, ao que é preciso responder que é um exemplo daquilo que irá se generalizar se o processo de privatização da educação não for combatido. Se as condições mais básicas chegam a isso, que dizer das condições pedagógicas mínimas. Este é o problema. Como é possível, nestas condições, que os alunos entrem em contato com os conteúdos, que podem e devem ser atualizados, e não desconstruídos, desprezados.
E qual a origem do problema? Os falsos críticos, aqueles que só vão até a um passo do pricipício, por medo de olharem para baixo, me acusarão de panfletária, mas tenho, não uma opinião, mas um fato que responde a pergunta sobre a origem. Antes, uma pergunta? Incomoda à alguém que em 2005 o governo brasileiro tenha gastado com juros da dívida pública/externa 162,8 bilhões ao lado de 8 bilhões para educação? E só agora em janeiro, quase duas vezes o orçamento anual de educação - 15 bilhões - para deixar os países donos do FMI, sendo os EUA o maior, mais podres de ricos? Em 2002 os EUA anulou uma parte da dívida do Paquistão a fim de garantir o apoio desse país para agredir o Afeganistão, após o 11 de Setembro.
O Brasil, com uma dívida 6 vezes maior que a do Paquistão e vital ao orçamento dos EUA, ter aceitado ser polícia dos EUA e seus aliados no Haiti, não garantirá perdão. Usei o Paquistão como exemplo apenas para mostrar como perdões de dívidas não resolvem o problema da soberania nacional. Em outubro de 2005 um terremoto assolou o país, e o problema não foi o de ausência de ajuda humanitária, pois não necessitaria de esmolas, se por anos não tivesse sido obrigado a pagar dívidas remotas, tão insignificantes aos credores que as utilizam mesmo para chantagem de guerra.
Anos de recursos que poderiam ter sido usados para estruturar a saúde e a educação. E se as vítimas do terremoto de outubro foram, na sua maioria, milhões de crianças, não por acaso. Apenas os prédios das escolas e outros públicos não resistiram aos abalos. Suas estruturas precárias não estavam preparadas, assim como não estavam os aparatos de saúde pública para socorrer as vítimas. A ajuda humanitária, como mostraram os maiores jornais do mundo, não apareceu. Reitero a pergunta: alguém se importa? Caso contrário, como discutir a solução dos problemas da educação pública seriamente?
O direito a educação de qualidade é um direito democrático. Não deve estar submetido ao poder aquisitivo. Defender uma escola pública para todos, independente da classe econômica ou demais classificações, é urgente. É preciso confrontar os governos nacionais submissos ao capital estrangeiro desesperado em manter suas taxas de lucros, em nome das prioridades da nação. Sem mais argumentações, pois acho que os fatos expostos, que são pequenos exemplos da lógica destrutiva do sistema capitalista, apoiado na guerra e exploração imperialistas, dão a dimensão do problema e da solução. Educação pública de qualidade somente com a defesa da soberania das nações.
3 Comments:
Josi, parabéns pelo blog. Dou apoio. Divulgarei e dele participarei com elogios e críticas a suas postagens. Então, aqui vão eles:
Concordo com a origem dos problemas que você ressalta, mas que não
são "todos" como você quis dizer. As condições materiais e pedagógicas são
realmente importantes e os problemas que elas enfrentam estão muito bem
relacionados com os fatos expostos por você, com uma única excessão, a
questão dos "conteúdos".
Pra começar o termo "conteúdo" muito me incomoda. É um termo que vai bem
dentro de uma perspectiva estruturalista de ensino, geralmente linear,
onde se tem conteúdos para se aprender e depois se cobrar, para que então
se possa avançar para outros conteúdos, como se a cabeça fosse uma
caixinho onde vagarosamente enfiamos conteúdos que lá ficaram para sempre,
até serem "atualizados".
Eu não acredito nisso. Para mim, o conhecimento é mais flúido do que o
termo "conteúdo" contempla. Não estou negando a estabilidade dos
conhecimentos, mas esa estabilidade é relativa aos próprios processos de
conhecimento que não são lineares, e que constantemente "desconstrói" (ou
reconstrói) esses conhecimentos estabilizados, que muitas vezes
"desprezamos" mesmo, como fazemos em nossa vida cotidiana com muitas
coisas que passam por nossos olhos.
Apesar de Derrida não falar de desprezo, apesar de eu não conhecer a
filosofia de Derrida, não acredito que a citação que você trouxe realmente
"vêm bem a calhar aos interesses do empresariado da educação", já que a
estabilização dos conteúdos, principalmente por um carater demasiadamente
científico - onde me parece estar a crítica de Derrida - é que vem a
calhar para a máfia dos livros didáticos dos empresariados editoriais,
para máfia dos cursinhos e escolas particulares que apostilam esses
"conteúdos academicamente estabilizados" que acabam, por um lado, por
emburrecer o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas e
particulares, formando cada vez mais pessoas limitadas por uma
ontologização do conhecimento sem precedentes; e por outro, por facilitar
e promover o processo de mercantilização do ensino, onde se vemdem os
melhores mateiras (apostilas) e propagadores de mateiras (professores de
escolas particulares e cursinhos) que possibilitarão às classes que podem
pagar por esse "conhecimento" (estável e vendável) o sucesso de seus
filhos nos vestibulares que privilegiam o conhecimento desses "conteúdos"
e o acesso dos mesmo as melhores universidades do país, que ainda possuem
o ranço desse conceito de "conteúdo".
No entanto Josi, acho mesmo que as discussões sobre a problematização das
condições mínimas e do desinteresse dos alunos devem estar juntas com essa problematização do processo de ensino, não isoladamente como colocou o Derrida na citação que você trouxe, mas encarando a questão dos conteúdos por outro lado.
Abração
André
Os conteúdos realmente são o centro da questão. Entendo conteúdos como conhecimento acumulado pelo avanço das ciências, das artes, da filosofia e que logicamente, não num processo linear, mas dialético, onde a atualização não significa jogar fora o que já existe, mas o que foi refutado. Daí concordo que não podem ser herméticos. Portanto, o conteúdo que vc chama cientificizado, eu chamaria estagnado, desatualizado. Concordo que estes conteúdos, nos livros e apostilas, devam ser o tempo todo revistos e claro, como isto gera despesas, o comum é que as empresas que os comercializam, não queiram ter este encargo. Penso que o problema da filosofia da descontrução é um equívoco pq não está interessada em, como vc, resolver o problema dos conteúdos, mas, por outro lado, convencer de que pelos problemas que têm, eles deveriam então ser substituídos. Algo como, para quê ensinar lá na favela a história da revolução industrial e a colonização da américa? Não seria mais fácil discutir a história da favela onde moram aquelas pessoas, sua cultura, etc? Mas não se trata de escolha, porque para compreender a história da favela é presico que isto esteja amparado pelo conhecimento de história geral. Daí a importância deste conhecimento, deste conteúdo acumulado, que para Derrida e outros deve dar lugar ao aspecto cultural e a imediatez da vida.
É isto.
Pode ser Josi, como disse, não conheço o que o Derrida escreveu. NO entanto, estamos de acordo sobre a desestabilização dos conteúdos, mas não com suas atualizações em apostilas e livros didáticos, ou essa merda que inventaram de uns tempos pra cá chamado de para-didático. Porque a "história da favela amparada pelo conhecimento de história geral" não pode ser compreendida no acúmulo ocorrido pelo avanço das ciências, artes e filosofia. É justamente essa idéia de "acúmulo" e "avanço" que me torcem as entranhas. Trazem para o processo dialético que você bem descreveu uma fundamentação idealista - não por acaso, pois foi aí que a dialética se firmou. Pra mim é preciso vencer esse idealismo de que pelo jogo das atualizações iremos chegar a algo que é "melhor" ou "mais verdade". A humanidade superdesenvolveu as tecnologias; conseguiu, antes de ir ao mais longe dos espaços, penetrar no mais ínfimo gene humano e da matéria; hiperdesenvolveu e conectou as ciências política, matemática, filosofia e as ciências humanas até a seu momento mais cruel, a economia. Nenhuma delas, mesmo que acumuladas na mais perfeita enciclopédia, conseguirá provocar a conexão entre o que você chamou de história geral e a história da favela. Preciso lembrar que ler um livro do Eduardo Galeano, por exemplo, ou do Darcy Ribeiro, que seja, não tem nada a ver com história geral, mas sim com história orgânica.
De qualquer modo. Isso é que é blog. Quente!
Abraço
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