L U T A S e m p a u t a ...: O aborto pelo olhar da mulher trabalhadora
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01 março 2006

O aborto pelo olhar da mulher trabalhadora

O direito ao aborto tem sido muito defendido, porém, muito pouco discutido. Por mais que os homens neguem o machismo em nossas culturas, não deve ser por acaso que o tema da gravidez indesejada comumente seja levantado por mulheres. Homens participam do debate enquanto profissionais, sejam os médicos, os legisladores, os governantes, os religiosos, etc. Mas penso que a discussão nunca foi levada à sério.

De meu ponto de vista, antes do direito ao aborto é necessário discutir o direito á maternidade. E de nada vale lutar pelo direito ao aborto, se não for uma luta também pelo serviço médico público que o proceda. E antes, que seja uma luta para que o aborto, ainda que seguro, possa ser a última escolha, para as mulheres que, mesmo asseguradas, por parte do estado, de todas condições materiais e de apoio profissional necessárias ao efetivo exercício do direito à maternidade, ainda prefiram abortar. E antes ainda, não poderia deixar de englobar a exigência de medidas preventivas da gravidez indesejada, como a informação sobre, e a disponibilização de métodos contraceptivos para toda a população, sobretudo a de adolescentes.

Na Dinamarca, as mães que não têm moradia estável ou estão desempregadas, podem, após o parto, ficar no próprio lar/hospital e ainda recebem um salário-maternidade por um ano. E não venham os liberais da economia ortodoxa dizer que lá é possível porque o PIB per capita permite e que no Brasil, só depois de um milagroso crescimento seria possível pensar em algo parecido. A questão é, quantos direitos democráticos para as mulheres e seus filhos foram ou não conquistados, no âmbito de cada nação.

De acordo com uma pesquisa da USP, realizada por Néia Schor e Augusta T. de Alvarenga , no Brasil, por dia já são em média 6850 abortos, com alta incidência entre as adolescentes. Aproximadamente um terço dos casos são seguidos de complicações que podem até mesmo levar ao óbito. Um número muito grande também de tentativas de abortos mal sucedidas dão origem a bebês mal-formados.

As mulheres que têm recursos financeiros recorrem a clínicas médicas clandestinas, nem sempre seguras, mas a maioria dos casos são mulheres desempregadas,de baixa renda ou carentes que auto-provocam o aborto sem condições assépticas e empregando as mais variadas improvisações. Acabam tendo que recorrer ao serviço público de saúde para finalizar o processo, onde experimentam fortes constrangimentos, derivados do tabu que representa a prática do aborto.

Nesta pesquisa as autoras fazem um retrospecto histórico mostrando que

"No Século XIX, o aborto expandiu-se consideravelmente entre as classes mais populares, em função do êxodo crescente do campo para a cidade e da deterioração de seu nível de vida. Isso certamente constituía uma ameaça para a classe dominante já que representava um decréscimo na oferta de mão-de-obra barata, tão necessária para a expansão das indústrias. Na classe alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte repressão sexual sobre seus próprios membros e a prática do aborto, embora comum, era severamente condenada. (...) Alguns acontecimentos históricos, no início deste século, ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que regiam a questão do aborto e são explicitadoras dessas diferentes ordens de motivos que fundamentam concepções e políticas a respeito. Com a Revolução de 1917, na União Soviética, o aborto deixou de ser considerado um crime naquele país, tornando-se um direito da mulher a partir de decreto de 1920. Processo inverso aconteceu em alguns países da Europa Ocidental, sobretudo aqueles que sofreram grandes baixas durante a Primeira Guerra Mundial, que optaram por uma política natalista, com o endurecimento na legislação do aborto. Como exemplo, podemos citar a França, que introduziu uma lei particularmente severa no que diz respeito não só à questão do aborto, mas também quanto aos métodos anticoncepcionais."

Faço uma crítica severa aos movimentos feministas que defendem o direito ao aborto sem tratar do direito à maternidade, sendo coniventes com interesses econômico/políticos contrários aos interesses das mulheres.

Refletem o pensamento das mulheres burguesas e pequeno burguesas que podem escolher entre abortar ou não, estão acostumadas e podem pagar o alto preço da medicina privada. Acho que erram quando defendem o aborto de maneira isolada também em nome das mulheres trabalhadoras, tantas desempregadas, que dependem da precária saúde pública. Se perguntarmos a elas se abortariam caso tivessem condições de sustentar e criar seus filhos, mesmo que sozinhas, creio que muitas diriam não. Apenas um pequeno número de abortos é por motivos relacionados com os planos pessoais da mulher.

Se a mulher está desempregada e engravida, ela precisa de auxílio financeiro do estado, serviço público de saúde em todas as fases da gravidez e no pós-parto. Se a mulher trabalha, 4 meses de licença gestante são insuficientes, e até isto está vedado a tantas mulheres que trabalham na informalidade. Ela também precisará de escola infantil pública e de qualidade, as populares "creches", algo raro hoje em dia. Se ainda assim ela desejar abortar, deve ter o direito de o fazer, com segurança, sem risco de vida ou de não poder engravidar no futuro. Sem constrangimentos, com dignidade, para si e seus filhos.