L U T A S e m p a u t a ...: Autogestão e relações de mercado capitalistas: autonomia ou adaptação?*
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17 novembro 2007

Autogestão e relações de mercado capitalistas: autonomia ou adaptação?*


* este trabalho foi apresentado em 07/11/2007 no Colóquio MarxEngels na Unicamp.

Embora o conceito de autogestão tenha ampla gama de interpretações, sempre aparece relacionado aos princípios de autonomia e democracia em determinadas relações sociais, tanto de ordem política quanto econômica; tanto certas instituições como a sociedade em seu conjunto. Neste artigo trataremos de discutir a proposta para o caso de instituições cujos fins são claramente econômicos e que participam da esfera da produção. O principal exemplo neste caso é a cooperativa de produção.
Do ponto de vista político, para as relações mútuas internas a uma organização autogestionária, um dos princípios é a participação dos implicados nas decisões pelo método da democracia na gestão, seja a democracia direta ou a representativa. O método tem o objetivo de extinguir a hierarquização e burocratização das relações. Para as relações políticas com as instituições externas, o princípio é o da autonomia. Assim, uma organização autogestionária deve ter autonomia política em relação ao Estado, às burocracias, aos sindicatos, às instituições religiosas, etc.
Do ponto de vista econômico, a autogestão implica também em relações internas e externas às relações mútuas. Para as relações econômicas internas, o princípio da democracia econômica se traduz na propriedade coletiva dos meios de produção e na divisão igualitária dos excedentes de produção entre os produtores que são também trabalhadores, mas não assalariados. Para as relações econômicas externas, a democracia econômica significará o direito de participação dos indivíduos de maneira coletiva, das relações econômicas de produção, distribuição e consumo. Assim, de acordo com os princípios da autogestão, todos devem ter o direito de participar em todas as esferas das relações econômicas de uma dada sociedade, inclusive como proprietários e gestores coletivos.
Advoga-se que, indivíduos que estavam na condição de assalariados empregados ou desempregados e passam a cooperados, terão, graças à democracia política e econômica, a chance de administrar coletivamente e com autonomia, sua própria unidade de produção, o que não seria possível na condição de assalariado.
As questões que se coloca para a discussão são: se as unidades produtivas autogestionárias são parte das cadeias produtivas, e se inserem necessariamente numa hierarquia econômica que é dada pela lógica de mercado monopolista e determinada pelo topo desta hierarquia, será que se poderia falar em autonomia e autogestão do ponto de vista econômico? Será que esta autonomia, num sistema capitalista de produção, pode acontecer? Ou seria apenas o direito e autonomia de produzir e comerciar mercadorias como qualquer empresa?
Desta forma, iremos discutir a aplicação e os limites de ordem prática destes princípios nas experiências de empresas de autogestão; como tais experiências respondem às pressões, que contradições sofrem a partir de sua imersão nas relações de mercado monopolista, e que reflexos podem ser observados em seus princípios.
Tais observações já foram descritas para as experiências de cooperativismo em economias capitalistas ou de mercado. A conclusão é que as práticas e princípios do cooperativismo do século XIX sofreram grande influência da lógica econômica em que estavam imersos. Por isso mesmo, os idealizadores das idéias atuais sobre autogestão, embora se apropriem dos princípios e das práticas do cooperativismo, buscam qualificar estas práticas, reafirmando os princípios de democracia e autonomia que de maneira geral tiveram expressão limitada nas diversas experiências concretas do cooperativismo em economias de mercado.

Origem e transformações no cooperativismo

Como se sabe, o cooperativismo foi experimentado tanto em economias capitalistas de mercado, como em economias de economia planifica e mistas, de maneira que em cada estrutura, foram observadas mudanças na forma de sua organização. As primeiras experiências de cooperativas surgem no capitalismo em sua fase concorrencial, onde predominavam as pequenas unidades de produção em concorrência e com intervenção praticamente nula do Estado na economia. Já nesta fase, é conhecido o fracasso da cooperativa de produção New Harmony fundada em 1828 por Owen nos EUA. Outra experiência desta época foi a cooperativa de consumo dos Pioneiros de Rochdale fundada em 1844. Passou a ser referência para o cooperativismo que se seguiu pela longa duração que teve e que se atribui à aplicação de um conjunto de regras para assegurar seus princípios. Todavia, a cooperativa também começou a funcionar como uma caixa de poupança que atraiu muitos sócios e permitiu a criação da primeira cooperativa de produção, um moinho, em 1850 que em 1906 foi absorvida por uma cooperativa atacadista maior. Outra cooperativa de produção, uma tecelagem, foi criada em 1854. Dos seus 500 acionistas, apenas 50 eram trabalhadores cooperados. Em 1862 com a Guerra Civil nos EUA ocorreu uma escassez de algodão que paralisou a indústria têxtil e os acionistas votaram para que o bônus complementar do salário que os operários recebiam fosse cortado, para que não precisassem rebaixar ainda mais a remuneração de suas ações. Foi assim que esta cooperativa acabou se transformando numa empresa capitalista, objetivando o lucro e dominada pelos acionistas (Singer, 1999:102-105).
Com o desenvolvimento do capitalismo e a centralização de capitais, as pequenas unidades foram substituídas pelas grandes e médias, os mecanismos de monopólio substituíram a livre concorrência e a intervenção do Estado na economia passou a ser cada vez mais necessária. Estas modificações irão refletir nas sociedades cooperativas e também nos princípios do cooperativismo. A cooperativas, a princípio fragmentárias e pouco significativas, começaram a se multiplicar e a se concentrar nos países de capitalismo avançado, sobretudo a partir do século XX, tornando-se mais importantes após a Primeira Guerra Mundial. E com as modificações no capitalismo, também as cooperativas, diante da necessidade de acomodação, desviaram-se em parte dos princípios que tinham. Cercadas por forças poderosas, ou se adaptaram para sobreviver ou degeneraram (Pinho, 1965:83).
Como demonstrou o trabalho de Pinho (1965:84), "O ambiente econômico, além de exercer pressão contrária ao desenvolvimento do cooperativismo, influi também, de modo profundo, no seu funcionamento interno. De fato, além dos obstáculos de ordem externa – resultantes de um meio capitalista organizado e fortalecido durante quase dois séculos de experiência – a cooperativa, socialmente estruturada muito depois, encontrou também obstáculos de ordem interna, tais como a mentalidade capitalista dos associados e, não raro, dos próprios dirigentes, a falta de capitais, etc.".
Diante das condições relativamente desfavoráveis, a cooperativa, sobretudo a de produção, foi sofrendo alterações, conscientes ou não, e isto irá se refletir nos princípios do novo cooperativismo.
Ainda de acordo com Pinho (1967:84-89), pode-se elencar uma série de modificações do cooperativismo em suas práticas:
1. A primeira grande dificuldade é a de realização do cooperativismo de produção, dada a sua maior demanda por capital para atualização tecnológica necessária à sobrevivência no mercado;
2. Outra dificuldade é a de integração entre as cooperativas, que, isoladas, desviam mais ou menos dos princípios rochdaleanos em função das pressões do mercado.
3. Quanto às condições econômicas, ao contrário dos princípios rochdaleanos, nem sempre as cooperativas eliminam a concorrência, pois, na prática elas disputam o mercado lutando contra as empresas de capital privado, quanto entre elas mesmas.
4. O cooperativismo nem sempre consegue abolir o lucro. Apenas muda a terminologia empregando “sobras líquidas” e as distribui proporcionalmente entre os cooperados.
Um elemento central desta análise é que as cooperativas de produção estão em competição, e de modo geral em desvantagem, com as empresas de maior porte. Se puderem levar alguma vantagem nesta competição, somente em relação a outras cooperativas ou empresas menores. Esta necessidade de competição para sobrevivência foi e será sempre um pesado fardo sobre todos os princípios e práticas do cooperativismo.
Por isso, os princípios rochdaleanos têm sofrido transformações, com exceção dos princípios democrático-políticos como a livre-adesão e a gestão democrática. Todavia, os princípios de neutralidade e autonomia em seus aspectos políticos e religiosos sofrem restrições, já que as cooperativas têm estabelecido ligações com partidos, sindicatos e seitas religiosas, além de sofrer intervenção do próprio Estado.
Rosa Luxemburgo e outros em oposição a Eduard Bernstein, no que se referia às cooperativas de produção desta época, expressa uma clara apreensão do que representam no sistema capitalista, estes “seres híbridos” que “produzem de forma socializada, mas estabelecem a troca de forma capitalista” e que tal forma socializada: "Ocorre pela necessidade de intensificar o trabalho o mais possível, de reduzir ou prolongar as horas de trabalho, de empregar ou não conforme a situação do mercado de trabalho. Resulta daí que os operários, na condição de governarem-se a si mesmos, vejam-se no papel absolutista de patrão capitalista"(Luxemburgo, 1999:80-81).

Origem e transformação dos princípios da autogestão

Ao contrário dos conceitos de cooperativa e cooperativismo, que se originaram no século XIX, o termo autogestão é recente. Pelo menos duas origens são atribuídas à palavra: a expressão russa "samupravlieni", utilizada na Revolução Russa pelos anarquistas, e o vocábulo servo-croata "samoupravlje", que segundo a "história oficial da autogestão" é o nome inicial da mesma. Quanto a discussão sobre a autogestão na Revolução Russa, é necessário um comentário. A proposta de autogestão foi levada pelos anarquistas nas diversas conferências de Comitês de Fábricas. Sustentavam que a administração operária era o caminho para formar "comunas produtivas autônomas" o que contornava a derrubada da burguesia e se opunha ao controle operário como base da planificação centralizada, ou seja, uma espécie de "socialismo em cada fábrica". Os mencheviques, por sua vez colocavam que o objetivo da administração operária era fazer funcionar as empresas e convertê-las em rentáveis para melhorar a vida daqueles operários (Goulart, 2007:18). Tais propostas foram reiteradamente rechaçadas nas várias conferências de comitês de fábricas. As propostas aprovadas foram aquelas apresentadas por Lênin: o controle operário nas fábricas combinado à perspectiva de tomada do poder pelos sovietes para, através do Estado Operário, centralizar e nacionalizar os bancos e principais monopólios, já que estes eram o centro de controle da economia e sem o quê, o controle operário nas fábricas não passaria de ilusão (Lênin, 1978). Assim, para os bolcheviques, a idéia de "autogestão" dos anarquistas era uma contradição em si.
Da mesma forma que na concepção anarquista russa, a denominação servo-croata para autogestão designava o processo de administração das fábricas pelos próprios trabalhadores na Iugoslávia - processo ideado e comandado pelo Estado iugoslavo.
Até 1950, o presidente Tito manteve um planejamento econômico centralizado com base no modelo da URSS. Após o rompimento com Stálin, embora os grandes meios de produção continuem como propriedade do Estado, opta-se pela “economia socialista participativa”. Na verdade Tito substitui o que para ele seria um “capitalismo de Estado” por um “socialismo de mercado”. Ao lado da descentralização econômica, vincula o restabelecimento gradual de relações de mercado e dá autonomia às unidades produtivas. Mas, se de um lado há uma descentralização econômica em relação ao Estado, de outro permanece uma centralização política não mãos da burocracia estatal que junto aos gerentes controlava os conselhos de empresas. Estes gerentes eram frequentemente escolhidos com base na lealdade política aos ministros de Estado. Além disso, os conselhos de autogestão eram estritamente subordinados ao controle do partido de Tito a aos sindicatos.
Neste caso, a idéia de autogestão se referia à autonomia das unidades econômicas – fábricas e cooperativas -, à liberdade de competir no mercado e de tomar decisões administrativas em relação ao Estado. Assim, além de as empresas de autogestão estar entregues às relações de mercado restabelecidas, sua gestão estava centralizada nas mãos dos técnicos e da burocracia autogestionária a revelia dos operários.
Assim, a experiência autogestionária Iugoslava, que de modo geral é a principal referência de origem do conceito de autogestão, já traz em si a idéia de que a autogestão é algo que pode se desenvolver e se adaptar às relações econômicas de mercado.
Embora a origem do termo autogestão tenha referências na Rússia e Iugoslávia, a literatura que trata da história da autogestão, incorpora neste conceito as práticas cooperativistas anteriores, em alguns casos já a partir das experiências dos socialistas utópicos no século XVIII, e em outros casos a partir de 1844 com os “Pioneiros de Rochdale”.
A "ebulição" da palavra autogestão, nos anos 60, se deu quando na França se traduziu "samoupravlje" como "autogestion" e os mais diversos setores se apropriaram da palavra - partidos políticos, intelectuais, pequenos grupos e até a mídia -, dando a ela sentidos diferentes que inclusive diluem sua versão inicial (Cornelio, 1978; Aschinov, 1923[1980]). No maio francês, em 1968, houve uma apropriação da palavra “autogestão” utilizada, entre outros, por Lapassade (1971) em sua proposta de autogestão pedagógica iniciada em 1962.
Na década de 80, o termo foi se desvanecendo e recentemente voltou à cena, basicamente como forma de enfrentar o crescente desemprego e a falência de empresas, se bem que hoje o conceito conta com uma vasta gama de significados que coexistem - alguns parecidos entre si e alguns contrapostos – constituindo-se, portanto, como um termo polissêmico (León Cedeño, 1998).
No Brasil, a Anteag, em Projeto de Lei conceitua as empresas, fixa procedimentos e normas necessárias para que se configure como sendo uma empresa de autogestão. Estas empresas se identificam pela “(...) gestão exercida democraticamente pelos trabalhadores”. Em geral as empresas de autogestão são antigas empresas tradicionais que, pela nova Lei de Falências brasileira, são recuperadas judicialmente e sua gestão é passada aos antigos empregados, por direito aos créditos trabalhistas não recebidos em função da insolvência financeira destas empresas. Para isto estes empregados devem formar uma cooperativa e adquirir desta maneira uma personalidade jurídica para conduzir a recuperação da empresa que poderá ser comprada por eles mais adiante.
Embora as elaborações sobre os princípios da autogestão levem em conta e reiterem os princípios rochdaleanos para o cooperativismo, percebe-se que a aplicação dos mesmos também encontrará resistências de ordem prática no sistema capitalista e também estará sujeito a adaptações e desvios.
Um exemplo disto foi observado na pesquisa de Vieitez & Dal Ri (2001). Os autores mostram que nas empresas de autogestão, a gestão não é exatamente uma gestão democrática dos trabalhadores, mas uma gestão de quadros técnicos e/ou políticos. Além disso, estas empresas se apresentam muito instáveis e vulneráveis às oscilações da conjuntura econômica.
Cada associado detém um número de cotas-parte da empresa que pode ser variável. Legalmente, as cotas-parte devem ter valor muito baixo, baseado no padrão de rendimentos da classe trabalhadora, todavia, na prática observa-se que nas empresas que foram recuperadas judicialmente, os associados poderão ter número de cotas diferenciado em proporção ao tempo de trabalho na empresa antiga e, portanto, aos créditos trabalhistas que acumulou.
Fugindo dos princípios propugnados pelos “Pioneiros de Rochdale”, a maioria das empresas de autogestão hoje vivem uma tensão entre remunerar seus cooperados proporcionalmente ao capital subscrito e integralizado na cooperativa por cada indivíduo, remunerá-los proporcionalmente às tarefas realizadas ou de maneira igualitária entre todos os membros. Os membros mais antigos da cooperativa, chamados de fundadores, portadores das cotas-parte de capital da cooperativa em geral defenderão que seja valorizado o capital de quem entrou primeiro na cooperativa e o trabalho de quem chegou depois. Os cooperados mais novos não irão compreender porque as sobras de cada mês não podem ser rateadas igualmente, e por que uma parte destas sobras deva ser separada para remuneração das cotas dos cooperados que a possuem (Holman, 2001:78-90).
Atualmente vem pesando sobre o conteúdo do conceito de autogestão, uma interpretação técnica e administrativa. Assim, no Dicionário Prático de Cooperativismo (Figueiredo, 2000: 35), o verbete Autogestão é descrito da seguinte forma:
É uma modalidade de gestão multidimensional (social/econômica/política/técnica), através da qual os parceiros do processo de trabalho se organizam com o fito de alcançar resultados. É uma modalidade de gestão multidimensional, porque remete às seguintes dimensões. A primeira, humana, porque existe a preocupação com a estabilidade e o crescimento da organização. Estes objetivos implicam a proteção dos recursos humanos e a busca de sua qualificação. A segunda concerne à racionalidade das organizações; a lógica do funcionamento da organização é da eficiência econômica, onde se busca maximizar os esforços e reduzir os custos, melhorando a qualidade do produto (bens ou serviços). A terceira dimensão diz respeito à legitimidade junto aos grupos de comunidade, em particular junto aos investidores, associados e consumidores. (...) A quarta dimensão, enfim, diz respeito à continuidade/perenidade, pois, para alcançar a eficiência, é necessário desenvolver, manter e promover um “saber tecnológico” de forma que este know how satisfaça da melhor maneira possível os interesses dos empregados, clientes, e que permita, ao mesmo tempo, o crescimento da organização.
Três dos quatro princípios são baseados na lógica da competição de mercado, na lógica econômica e administrativa das organizações.
Tomado de forma simplificada como participação nas decisões no âmbito da empresa, o termo autogestão dá margem inclusive para que os métodos organizacionais do toyotismo sejam classificados como uma de suas formas (Zampolo, 2005).
No cooperativismo que ressurge na década de 90 no Brasil, devido à proliferação de cooperativas criadas e manipuladas por empresários chamadas “coper-gatos”, os princípios da autogestão se propõem como um critério para diferenciar as chamadas cooperativas genuínas, que seriam autônomas e cujos princípios de gestão, democráticos.
Mas, a empresa de autogestão, como qualquer outra, faz parte do processo de metabolismo social por meio de sua inclusão na divisão social do trabalho. Nesse sentido, ela participa do sistema de trocas e engendra relações de trabalho internas e externas a ela. Porém, o modo de integração desse empreendimento no sistema de trocas não é exatamente igual ao das empresas tradicionais. Sua participação é ambígua, sendo que várias de suas atividades reiteram a natureza desse sistema. Outras, no entanto, a negam (Vieitez & Dal Ri, 2001: 19).
A condição de produtoras de mercadorias traz várias consequências às empresas autogestionárias. Em primeiro lugar, elas estão sujeitas, como qualquer outra empresa, às irracionalidades e oscilações econômicas dos mercados. Em segundo, têm que participar da competição econômica, cujas regras e parâmetros são estabelecidos pelas empresas capitalistas e pelo mercado. E, por último, pode-se dizer que o seu funcionamento encontra-se, em boa parte, determinado pelas leis de valorização do capital (Vieitez & Dal Ri, 2001: 19).
Gaiger (2002) admite que no contexto atual os empreendimentos cooperativos autogestionários enfrentam duas formas de subordinação à economia capitalista: estando sujeitos aos efeitos da lógica de acumulação e às regras de intercâmbio impostas ao conjunto dos agentes econômicos; e sendo forçados a utilizar a base técnica capitalista para manter as premissas de competitividade, como as suas contínuas inovações nos processos produtivos.
Sobretudo num estágio de mundialização do capitalismo, os empreendimentos no interior no sistema não podem se livrar das forças de um mercado do qual dependem para existir e através do qual estão ligados direta ou indiretamente, e onde as relações são determinadas pela lógica e pelas regras de monopólio capitalistas.

Conclusão

Assim, podemos inferir que, da mesma forma que os princípios e práticas do cooperativismo sofreram modificações que os afastaram das formas idealizadas, os princípios e práticas da autogestão estão também sujeitos e já sofrem com as pressões derivadas das relações econômicas vigentes, de modo que os princípios da democracia econômica e política bem como da autonomia são relativos ao grau de incidência destas pressões. Tais pressões são cada vez maiores nas últimas décadas em decorrência das diversas crises mundiais do sistema capitalista e da lógica liberal que assume nas últimas décadas.
De qualquer modo, as empresas de autogestão, seguem trespassadas de contradições. A principal delas está entre a gestão democrática e autônoma e o seu caráter de produtora independente de mercadorias. Disto decorre que estas empresas apresentam a possibilidade de evolução regressiva, isto é, de se reconverterem ao estatuto de empresa capitalista ou a permanência numa variante tecnocrata e conservadora de gestão. Isto depende é claro de fatores como a característica e consciência de classe do coletivo de associados, as condições políticas e econômicas nacionais e internacionais. Independente disto, a expansão de empresas como estas, integradas ao mercado, é plausível, tendo em conta o desemprego estrutural e crescente. Mas a evolução progressiva das empresas de autogestão está condicionada à superação de suas contradições, que depende por sua vez, da superação das relações capitalistas de produção.

Referências Bibliográficas



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