L U T A S e m p a u t a ...: O Controle Operário e a Revolução Russa de outubro de 1917
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17 novembro 2007

O Controle Operário e a Revolução Russa de outubro de 1917

Acaba de se realizar na USP o Seminário dos 90 anos da Revolução Russa.
Na mesa de debate sobre "Revolução Russa e Organização do Trabalho" apresentei a questão do Controle Operário tal como foi desenvolvida por Lênin e Trotsky, os quais, sem dúvida, foram os principais organizadores da revolução de outubro de 1917 na Rússia. Mesmo antes de voltar à Rússia mas, sobretudo a partir de abril, Lênin se preocupou entre outras coisas, em elaborar uma fórmula que organizasse a atividade espontânea dos operários nas fábricas, concectando seu árduo combate à sabotagem burguesa com a luta pela revolução operária. Esta fórmula, o Controle Operário, será minuciosamente apresentada na primeira conferência dos comitês de fábrica de Petrogrado.
Na conferência de comitês de fábrica e oficinas de Petrogrado realizada de 30 de maio a 3 de junho em que estiveram 586 delegados de 236 fábricas.
Em seu discurso nesta conferência Lênin explica:
"(...) Avílov (menchevique.nt) estabelece o preceito, indiscutível hoje para todo socialista, de que a rapina da administração dos capitalistas leva a Rússia a completa bancarrota econômica e industrial; mas depois propõe a fórmula vaga de controle da indústria ‘pelo poder de Estado’ (...). Todo o mundo fala agora de controle. (...) Mas com ajuda deste termo geral ‘controle’ se quer, de fato, reduzi-lo a nada. O governo de coalizão, no qual colaboram agora ‘socialistas’, não fez nada ainda para estabelecer este controle. E por isso é plenamente compreensível que os comitês de fábrica queiram um controle operário autêntico, e não no papel" (Lênin, 1978:49).
E opõe aos mencheviques uma moção sobre o controle baseada na definição do caráter de classe do Estado moderno. Se queremos um controle, afirmou Lênin,
(...) é indispensável que seja um controle operário, que os operários estejam em maioria em todos os organismos responsáveis e que a administração renda contas de seus atos ante as organizações operárias mais organizadas."(Ferri, 1972:78).
A resolução redigida por Lênin foi aprovada por 297 delegados contra 21 votos e 44 abstenções. Esta resolução terá grande importância pelo avanço tanto na análise de conjuntura e perspectivas futuras, quanto na elaboração do sistema de controle operário e por isso, segue-se uma análise pormenorizada dela. Todavia, é bom lembrar que esta resolução significava um programa de ação para os comitês de fábrica, que sofreria resistências não só por parte da burguesia industrial e o governo, mas por longo tempo também nos sovietes principais e até mesmo em vários comitês de fábrica. Todavia, sua aplicação prática, dependeu muito mais da correlação de forças entre operários e patrões em cada fábrica, já que havia um movimento espontâneo dos operários para o controle nas fábricas.
Em seu primeiro ponto, previa a iminência de uma grande catástrofe econômica de dimensões gigantescas que ameaçava interromper o trabalho de toda uma série de setores fundamentais da produção, de privar os pequenos proprietários da possibilidade de desenvolver sua atividade na medida necessária, de suspender as comunicações ferroviárias e de privar de trigo as grandes cidades. No segundo ponto afirmava que,
"Não é possível salvar-se da catástrofe nem seguindo um caminho burocrático, quer dizer, mediante a criação de instituições nas quais predominem os capitalistas e funcionários públicos, nem protegendo os lucros dos capitalistas, seu poder omnímodo na produção, seu domínio sobre o capital financeiro e seu segredo comercial em seus assuntos bancários, mercantis e industriais. Assim se demonstrou com absoluta clareza a experiência de toda uma série de manifestações parciais da crise em distintos ramos da produção"(Lênin, 1978:44).
Para combater esta tendência de crise se propunha uma série de medidas urgentes a partir do terceiro ponto:
"3) O único caminho para salvar-se da catástrofe consiste em implantar um verdadeiro controle operário da produção e da distribuição dos produtos. Para este controle é necessário: primeiro, que em todas as instituições decisivas se assegure aos operários uma maioria de não menos de três quartos do votos, incorporando sem falta o controle tanto aos empresários que não tenham abandonado os negócios como o pessoal técnico e científico; segundo, que se conceda aos comitês de fábrica, aos sovietes centrais e locais de deputados operários, soldados e camponeses e aos sindicatos o direito de participar no controle, pondo a sua disposição todos os livros comerciais e bancários e comunicando-os obrigatoriamente todos os dados; terceiro, que se conceda este mesmo direito aos representantes de todos os grandes partidos democráticos e socialistas"(Lênin, 1978:44).
Como se vê, nos comitês decisórios (administrativos, econômicos e técnicos), os operários devem lutar por 75% dos votos, restando apenas 25% aos proprietários, administradores, gerentes ou seus representantes. Esta mudança permitiria que os antigos gestores continuassem exercendo suas funções, garantindo a intervenção dos operários, caso considerassem necessário. Em caso de desacordo, os operários assegurariam por maioria, a direção da fábrica. É evidente que os proprietários não aceitariam facilmente esta proposta, como aconteceu, mas como estavam desmoralizados por sua má administração, corriam o risco de se verem postos para fora da fábrica. Assim, muitos acabaram aceitando esta mudança.
A partir destas propostas de Lênin, há um avanço em relação às decisões da conferência preparatória, pois já não se trataria de um representante do comitê de fábrica nos comitês de decisão da fábrica. Tratar-se-ia de uma mudança radical na própria organização destes comitês decisórios, que se antes deveriam continuar constituídos apenas pelos gestores e um representante do comitê de fábrica, agora, deveriam ter uma maioria de representantes operários.
Ademais os gestores seriam obrigados a permanecer em seus postos na fábrica, sobretudo porque seria através deles que o comitê de fábrica e os representantes operários iriam controlar o andamento da produção, e nunca diretamente, dando ordens aos operários. Ou seja, os operários dirigiriam a tomada de decisões, mas quem as ordenaria seriam os gestores. Esta estratégia garantiria a unidade dos operários nas fábricas e manteria a delimitação de classe. A separação entre aqueles que pensam e os que trabalham estaria abolida. E na medida em que o comitê de fábrica gozasse do direito de acesso a toda a contabilidade da fábrica, impediria ou descortinaria os atos de sabotagem.
No quarto e quinto ponto:
"4) O controle operário, reconhecido já pelos capitalistas em diversos casos de conflito, deve ser desenvolvido imediatamente mediante uma série de medidas cuidadosamente meditadas e graduais, mas aplicadas sem dilação alguma, transformando-o num sistema de regulação completa da produção e distribuição dos produtos pelos operários. 5) O controle operário deve tornar-se extensivo de igual modo, e com os mesmos direitos, a todas as operações financeiras e bancárias, com a obrigação de dar a conhecer todo o estado financeiro dos negócios e com a participação dos sovietes e congressos de empregados dos bancos, dos consórcios, etc., que serão organizados imediatamente" (Lênin, 1978:45).
Aqui se verifica que o controle operário não deve ser um controle apenas sobre a produção nas fábricas, mas um controle de todos os setores da economia, incluindo os bancos e monopólios. Deve ser organizado não apenas pelos comitês de fábrica, mas também pelos sovietes e congressos de empregados.
A respeito disto, no primeiro artigo sob o título A catástrofe iminente e as promessas desmesuradas, publicado no fim de maio, Lênin explica que bastava a decisão para em apenas um dia tomar o controle sobre os bancos. Os sovietes e congressos de empregados dos bancos, em cada unidade e em escala nacional, deveriam preparar medidas práticas para fusionar todos os bancos e instituições de crédito em um só banco do Estado, estabelecer o controle mais rigoroso sobre todas as operações e publicar os resultados do controle (Lênin, 1978:39).
Sem abolir o segredo comercial, dizia Lênin, o controle da produção e da distribuição não irão além de uma promessa vaga pois que,
"(...) a economia capitalista não admite em absoluto a abolição do segredo comercial pois a propriedade privada dos meios de produção e a dependência das distintas empresas a respeito do mercado impõem a ‘sacrosanta intangibilidade’ dos livros e das operações comerciais, incluindo, como é natural, as operações bancárias." (Lênin, 1978:66).
No segundo artigo de mesmo nome, completava:
"(...) com ajuda do controle desde abaixo, por parte dos empregados dos bancos, dos consórcios, etc., todos os elos e vínculos de seu capital financeiro, de seus laços bancários, se descobrirá todo o nó da dominação do capital, toda a massa principal de riquezas acumuladas às custas do trabalho alheio, todas as raízes verdadeiramente importantes do “controle” sobre a produção e a distribuição sociais dos produtos." (Lênin, 1978:42).
Voltando às resoluções da primeira conferência dos comitês de fábrica de Petrogrado, no décimo e último ponto temos:
"10) A aplicação planificada e feliz de todas as medidas indicadas só é possível a condição de que todo o poder do Estado passe às mãos dos proletários e semi-proletários" (Lênin, 1978:46).
Aqui está claro como Lênin compreendia o controle operário como parte de um sistema de planificação da economia que se aplicaria pelo Estado operário para construção do socialismo. Poderia e deveria ser aplicado desde então sob um governo burguês, mas o controle operário efetivo da produção para Lênin não seria possível sem o controle de toda economia o que dependia da tomada do poder de Estado pelos operários.
A este respeito Trotsky explica a diferença entre controle operário da produção e controle da produção pelo estado operário:
"(...) A quê regime estatal corresponde o controle operário da produção? É óbvio que o poder não está ainda nas mãos dos trabalhadores, pois de outro modo não teríamos o controle operário da produção, senão o controle da produção pelo estado operário como introdução a um regime de produção estatal baseado na nacionalização. (...) Assim, o regime do controle operário, um regime um regime provisório e transitório por sua mesma essência, só pode corresponder ao período das convulsões do Estado burguês, da ofensiva proletária e o retrocesso da burguesia, quer dizer, o período da revolução proletária (...)" (Trotsky, 1931).
Já em 17 de maio no Pravda, Lênin apóia explicitamente a palavra de ordem “controle operário”, declarando que os operários devem exigir a realização imediata e efetiva do controle por eles próprios. Mas Lênin irá explicar em diversos textos que o “controle operário” é um sistema que deve controlar a produção e a distribuição através dos comitês de fábricas coordenados pelos sovietes, organismos de duplo poder e organizadores da classe operária para a substutição do Estado burguês . Além disso, o sistema do controle operário faria parte de um sistema maior de controle pelos sovietes sobre a economia em escala nacional, sendo que este sistema deveria primeiramente atacar e controlar o centro financeiro da economia. Assim, dizia Lênin: “há que tomar precisamente a fortaleza principal do capital financeiro. Sem isto, todas as frases e todos os projetos de salvação da catástrofe serão um engano” (Lênin, : 42).
Trotsky também explica que os comitês de fábrica pelo caráter de órgão de duplo poder que têm, podem cumprir não só o papel de fiscalização da administração burguesa nas empresas, mas também como forma de organização principal da dualidade de poderes e organização da revolução operária, sobretudo quando não se desenvolveram outros órgãos de duplo poder como os sovietes ou quando estes perderam seu conteúdo revolucionário. Assim,
"(...) Na Rússia os sovietes conciliadores atacaram os operários e soldados em julho de 1917. Depois disto, Lênin pensou durante um tempo que haveríamos de chegar ao levantamento armado apoiando-nos não nos sovietes, senão nos comitês de fábrica. Este cálculo foi rechaçado pelo curso dos acontecimentos, já que fomos capazes, nas seis ou oito semanas anteriores ao levante, de ganharmos os sovietes mais importantes. Mas este mesmo exemplo mostra que pouco inclinados nos sentíamos a considerar os sovietes como uma panacéia " (Trotsky, 1932: ).
Lênin e Trotsky tinham claro que o controle operário era um processo importante na transição ao socialismo, mas que este controle não se resumia ao “controle operário” pelos comitês de fábrica isoladamente ou mesmo em seu conjunto sobre a produção. Era tão ou mais importante que este controle operário estivesse combinado a tarefa de organização política para tomada do poder. Da mesma forma que não fetichizavam os sovietes como órgãos especiais para cumprir esta função, também não fetichizavam os comitês de fábrica como os órgãos mais adequados e exclusivos a partir dos quais os operários controlariam a produção.
O Projecto de decreto sobre o controle operário serviu de base ao projecto de decreto confeccionado pelo Comisariado do Povo do Trabalho e publicado, com emendas e adiciones, em 3 de novembro de 1917 no número 178 do Pravda. O projecto de decreto foi discutido em 14 de novembro do mesmo ano na reunião do Comité Executivo Central de toda Rússia e aprovado com emendas insignificantes. Em 15 de novembro discutiu-se numa reunião do Conselho de Comissários do Povo, publicando-se em 16 de novembro de 1917, com o título de Decreto sobre o controle operário, no número 227 de Izvestia do Comitê Central de toda Rússia.
No decreto sobre o controle operário:
"1. Fica estabelecido o controle operário sobre a produção, conservação e compra de todos os produtos e matérias primas em todas as empresas industriais, comerciais, bancárias, agrícolas, etc., que contem com cinco operários e empregados (em conjunto), pelo menos, ou cujo giro anual não seja inferior a 10.000 rublos.
2. Exercerão o controle operário todos os operários e empregados da empresa, já directamente, se a empresa é tão pequena que o faz possível, já por médio de seus representantes, cuja eleição terá lugar imediatamente em assembleias gerais, devendo se levantar actas da eleição e ser comunicados os nomes dos eleitos ao governo e aos Soviets locais de deputados operários, e camponeses.
3. Fica absolutamente proibida a interrupção do trabalho de uma empresa ou indústria de importância nacional, bem como a modificação de seu funcionamento, sem autorização dos representantes eleitos pelos operários e empregados.
4. Todos os livros de contabilidade e documentos, sem excepção, bem como todos os armazenes e depósitos de materiais, ferramentas e produtos, sem excepção alguma, devem estar abertos aos representantes eleitos pelos operários e empregados.
5. As decisões dos representantes eleitos pelos operários e empregados são obrigatórias para os proprietários das empresas e não podem ser anuladas mais que pelos sindicatos e seus congressos.
6. Em todas as empresas de importância nacional, todos os proprietários e todos os representantes eleitos pelos operários e empregados para exercer o controle operário respondem ante o Estado da rigorosa manutenção do ordem, da disciplina e da protecção dos bens. Os culpados de incuria, de ocultación de estoques, balanços, etc., serão castigados com a confiscación de todos seus bens e com penas de reclusão que podem chegar a cinco ânus.
7. Declaram-se empresas de importância nacional todas as que trabalham para a defesa ou estão relacionadas de algum modo com a produção de artigos necessários para a subsistencia das massas da população.
8. Os Soviets locais de deputados operários, as conferências de comités de fábrica e as de comités de empregados ditarão, em assembleias gerais de seus representantes, regras mais detalhadas de controle operário."
Muitas dificuldades se apresentaram para reorganização e planificação da economia russa após a tomada do poder. Mas sem o controle operário nas fábricas articulado à centralização e nacionalização dos bancos e monopólios, bem como à centralização das decisões nos órgãos de planificação econômica, seria impossível superar as difíceis condições que o Estado Operário iriá enfrentar, como a crise econômica agravada pelo embargo internacional e a continuidade da guerra até março de 1918, a sabotagem permanente da burguesia, a queda na produção de alimentos pelos camponeses, a fome e a fuga dos operários para o campo, além das ofensivas contra-revolucionárias internas e externas, a guerra civil que sucedeu e a consequente estagnação do desenvolvimento das forças produtivas russas até 1925. Hoje, depois de 90 anos decorridos, há vozes de todos os lados para levantar os erros e as insuficiências daquela experiência. Vozes esquecidas da conhecida frase de Marx: "os homens fazem a história, mas a fazem em condições históricas determinadas". É preciso conhecer a história para distinguir a primeira década da experiência soviética com o desenvolvimento que lhe será dado pelo estalinismo. Alíás, sem esta distinção não é possível compreender algo elementar: a queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991 não significaram o fim da perspectiva para o socialismo. A perspectiva do socialismo em suas condições objetivas está colocada pela instabilidade crônica e progressiva do capital. As questões subjetivas, dependem daqueles que se propõem a orientar a classe operária na realização de sua tarefa histórica, e deste ponto de vista, fazer muito mais do que simplemente a crítica da Revolução Russa ou comemorar seu 90 anos.

Referências Bibliográficas:

Ferri, Franco. El problema del control obrero. In: Consejos obreros e democracia socialista. 1972.
Lênin, Vladímir Ilitch. El control obrero y la nacionalización de la industria. Moscou: Progreso, 1978.
Trotsky, Leon. El control obrero de la produción. 1931

1 Comments:

At 10:28 PM, Anonymous Anônimo said...

Leia "Os Bolcheviques e o Controle Operário" de Maurice Brinton e verá que este movimento dos bolcheviques de apoio ao controle operário (controle, e não gestão), embora recuado no sentido da autogestão foi ainda tático. Logo após os bolcheviques no poder lutaram para submeter os comitês de fábrica aos sindicatos, e os sindicatos ao Estado, com a desculpa de que era um Estado Operário. Estas são as origens do Capitalismo de Estado na Rússia.

GiancarloSanguinetti@hotmail.com

 

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